As leis e normas que regem tanto os ensaios clínicos quanto os documentos relacionados a eles são norteadas pela Declaração de Helsinque, que teve sua primeira redação em 1964 como resultado da 18.ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial (World Medical Association, WMA), na Finlândia. A Declaração de Helsinque delineou os parâmetros éticos para a condução de pesquisas envolvendo participantes humanos. A partir dela, surgiram orientações, legislações, órgãos regulatórios, entre outros instrumentos de garantia da ética nesse tipo de pesquisa.
Tendo em mente o problema ético e de necessidade de acessibilidade dos documentos voltados aos participantes, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) publicou em 2015 seu Manual de Orientação: Pendências Frequentes em Protocolos de Pesquisa Clínica. Dentre um grande número de pendências e erros comuns referentes ao que deveria estar constante no TCLE (o que diz respeito a quem projetou o protocolo e ao redator do documento), há também algumas pendências referentes à terminologia e registro utilizado na redação (o que diz respeito a nós, tradutores).
Extraí aqui as pendências e erros comuns que podem nos informar como traduzir melhor esses termos:
segundo o documento, “Uma das pendências mais frequentes é a utilização de termos técnicos inacessíveis a um leigo, sobretudo termos técnicos médicos ou biomédicos utilizados em ensaios clínicos com medicamentos ou novos procedimentos”. Para nós tradutores, isso pode significar evitar o uso de substantivos derivados referentes a órgãos do corpo. Por exemplo, é melhor utilizar “do coração” do que “cardíaco”, “do fígado” do que “hepático”, e assim por diante. Deve-se também evitar a utilização de termos como “alopecia”, “prurido”, “taquicardia”, dando preferência a “queda de cabelo”, “coceira”, “batimento acelerado do coração”. Pode significar também que devamos simplificar nomes de testes laboratoriais ou esclarecê-los. Por exemplo, na tradução de “serum pregnancy test” deve-se dar preferência a uma tradução nos moldes de “exame de gravidez no sangue”, ao invés de "sorológico";
o documento refere-se diretamente à tradução redundante de “research study” como “estudo de pesquisa”. Deve-se traduzir sempre como “estudo” ou “pesquisa” apenas, sempre lembrando de manter a homogeneidade no documento;
o TCLE não deve ser escrito no formato de declaração, mas de convite. Isto reduz a sensação de obrigação em participar do participante e dá a ele mais autonomia para fazer sua escolha. Aqui estão dois exemplos apresentados pelo documento do CEP/CONEP de uso correto da linguagem: “será coletado um pouco de sangue da veia do seu braço (...)”, “gostaríamos de pedir autorização para verificar o seu prontuário”. O TCLE provavelmente já estará escrito neste formato na língua-fonte, mas a tradução deve ser bem adaptada para o português já que, dada a natureza do documento, ele não deve parecer uma tradução, mas apresentar uma linguagem o mais natural quanto possível. A única parte redigida como declaração é o final do documento onde o participante potencial de fato faz sua escolha em participar ou não;
embora ainda largamente encontrado em todos os tipos de traduções relacionadas a ensaios clínicos, o termo “sujeito de pesquisa” como tradução para “research subject” foi substituído pela Resolução CNS N° 466 de 2012 por “participante de pesquisa” (o termo ”sujeito de pesquisa” era previsto na Resolução CNS N° 196 de 1996, que foi substituído);
o próprio nome do consentimento é motivo de confusão. A tradução prevista pela Resolução CNS N° 466 de 2012 para “Informed Consent Form” (“ICF”) é “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” (TCLE). Outras traduções, tais como “Termo de consentimento informado” ou “formulário de autorização para pesquisa” não deverão ser utilizadas;
embora utilizado em documentos destinados a especialistas, o termo “investigador” não deve ser utilizado como tradução para “investigator” nos TCLEs. O termo previsto na Resolução CNS N° 196 de 1996 é “pesquisador”;
o termo “paciente” não deve ser utilizado quando fizer referência a um participante da pesquisa, mesmo que o termo utilizado na fonte seja “patient” (comum nos campos de assinatura e rubrica). O termo correto, previsto pela legislação brasileira é “participante”;
o termo “copy” (do documento) não deve nunca ser traduzido como “cópia” e sim como “via”;
não se deve utilizar a expressão “material doado” ou “doação de material” quando referindo-se à coleta de material biológico para a pesquisa. A legislação brasileira tem regras bem definidas sobre a doação de bens, regras estas que não se aplicam ao contexto dos materiais biológicos nos TCLEs. Deve-se sempre utilizar “material cedido” ou “material fornecido”.
Conclusão:
A redação e por conseguinte a tradução dos Termos de Consentimento Livres e Esclarecidos são parte importante para que as pesquisas de novos medicamentos estejam em conformidade com todos os regulamentos. Do ponto de vista ético, ela é essencial para garantir a segurança e a autonomia do participante da pesquisa.
É crucial que o tradutor compreenda o arcabouço legal onde esses documentos estão inseridos para que possa produzir documentos de qualidade.
Recomendo a leitura dos documentos mencionados neste artigo e citados nas referências para o aprofundamento desta compreensão.
Referências:
-Resolução CNS N° 196 de 1996 https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
- Manual de Orientação: Pendências Frequentes em Protocolos de Pesquisa Clínica - CNS https://conselho.saude.gov.br/Web_comissoes/conep/aquivos/documentos/MANUAL_ORIENTACAO_PENDENCIAS_FREQUENTES_PROTOCOLOS_PESQUISA_CLINICA_V1.pdf
-WMA Declaration Of Helsinki – Ethical Principles For Medical Research Involving Human Subjects https://www.wma.net/policies-post/wma-declaration-of-helsinki-ethical-principles-for-medical-research-involving-human-subjects/
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